sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Dia da Participação Especial

Minhas amiguinhas balzacas andam muito atarefadas, então, as adesões ao Dia da Participação Especial andam meio escassas. Mas como eu sou brasileira e não desisto nunca, encontrei uma alternativa para o problema. Resolvi publicar um capítulo do livro Comer Rezar Amar, que tem sido meu fiel companheiro há umas duas semanas e que toda mulher – especialmente na faixa dos 30 – deveria ler. Já que minhas amigas não estão com tempo pra colaborar com o blog (o que eu superentendo, quero deixar bem claro), conto com a ajuda da Elizabeth Gilbert, a “Liz”, autora do livro.
Com 31 anos, ela estava casada, tinha a minha tão sonhada casa com jardim e, diferentemente da maioria das mulheres nessa fase, não queria filhos. Aliás, nem queria estar casada. Escolhi o segundo capítulo, em que ela se dá conta de que, apesar de ter tudo que qualquer mulher poderia querer, está extremamente infeliz e sente-se culpada por não vibrar com a ideia de uma casa barulhenta e cheia de crianças.
Mulher é um bicho complicado, né? Ainda mais as balzaquianas. Quem está solteira fica desesperada para casar e ter filhos. E a Liz, cuja vida seguiu perfeitamente o cronograma do que para muitas de nós seria a imagem cristalina da felicidade, só queria ser livre e desimpedida. Vai entender... Acho que, de verdade mesmo, nós nunca estamos satisfeitas. Não aos 30. É uma fase turbulenta e ponto. Mas, pelo menos, não estamos sós na angústia da incerteza. Como eu e você, há muitas outras balzaquianas confusas e cheias de dúvidas por aí, né verdade?
Aproveitem esse trechinho de Comer Rezar Amar. Acho que muita gente vai correr até a livraria para saber como essa busca por todas as coisas da vida vai acabar. Eu estou devorando cada palavra. Espero que vocês gostem!



2

   E uma vez que já estou ali ajoelhada no chão em posição de súplica, deixem-me manter essa posição enquanto viajo no tempo até três anos atrás, até o instante em que toda esta história começou – um instante que também me encontrou nessa mesma exata posição: de joelhos, no chão, rezando.
   No entanto, tudo o mais em relação à cena de três anos atrás era diferente. Daquela vez eu não estava em Roma, mas sim no banheiro do andar de cima da grande casa no subúrbio de Nova York que eu acabara de comprar com meu marido. Eram mais ou menos três horas da manhã de um novembro gelado. Meu marido dormia na nossa cama. Eu estava escondida no banheiro pelo que deveria ser a 47a noite consecutiva, e – como em todas aquelas outras noites – estava soluçando. Soluçando com tanta força, na verdade, que uma grande poça de lágrimas e muco se espalhava à minha frente sobre os ladrilhos do banheiro, um verdadeiro lago formado por toda minha vergonha, medo, confusão e dor.
   Eu não quero mais estar casada.
   Eu estava tentando tanto não saber isso, mas a verdade continuava
a insistir.
   Eu não quero mais estar casada. Não quero morar nesta casa grande.
Não quero ter um filho.
   Mas todos esperavam que eu quisesse ter um filho. Eu estava com 31 anos. Meu marido e eu – estávamos juntos havia oito anos, sendo seis casados – havíamos construído nossa vida inteira com base na expectativa comum de que, uma vez superada a avançada marca dos 30 anos, eu iria querer sossegar e ter filhos. Ambos esperávamos que, a essa altura, eu já tivesse me cansado de viajar e fosse ficar feliz em morar em uma casa grande e barulhenta, cheia de crianças e de colchas feitas a mão, com um jardim nos fundos e um reconfortante ensopado borbulhando em cima do fogão. (O fato de esse ser um retrato bastante fiel da minha mãe é um indicador rápido de como antigamente era difícil para mim perceber a diferença entre eu mesma e a poderosa mulher que havia me criado.) Mas eu não queria nenhuma dessas coisas – e estava arrasada por estar me dando conta disso. Pelo contrário: meus 20 anos haviam chegado ao fim, aquele prazo final dos 30 havia se abatido sobre mim como uma sentença de morte, e eu descobri que não queria engravidar. Continuava esperando querer ter um filho, mas isso não acontecia. E eu conheço a sensação de querer alguma coisa, podem acreditar. Sei muito bem o que é desejo. Mas esse desejo não existia. Além do mais, eu não conseguia parar de pensar no que minha irmã tinha me dito certo dia, enquanto amamentava seu primogênito: “Ter um filho é como fazer uma tatuagem na cara. Você precisa realmente ter certeza de que é isso que você quer antes de se comprometer.”
   Mas como eu poderia voltar atrás agora? Tudo estava no lugar certo. Supostamente, aquele deveria ser o ano. Na verdade, já vínhamos tentando engravidar havia alguns meses. Mas nada tinha acontecido (exceto pelo fato de – em um arremedo quase sarcástico de uma gravidez – eu estar tendo enjôos matinais psicossomáticos e vomitando meu café-da-manhã todos os dias, aflita). E todo mês, quando eu ficava menstruada, via-me sussurrando furtivamente no banheiro: Obrigada,obrigada, obrigada, obrigada por me dar mais um mês de vida.
   Eu vinha tentando me convencer de que isso era normal. Todas as mulheres devem se sentir assim quando estão tentando engravidar, concluí. (“Ambivalente” foi a palavra que usei, evitando a descrição muito mais exata: “inteiramente dominada pelo pânico”.) Vinha tentando me convencer de que os meus sentimentos eram comuns, apesar de todas as provas em contrário – como a conhecida com quem eu havia esbarrado na semana anterior, que acabara de descobrir que estava grávida do primeiro filho depois de gastar dois anos e rios de dinheiro em tratamentos de fertilidade. Ela estava em êxtase. Sempre desejara ser mãe, disse-me. Admitiu que vinha comprando roupinhas de bebê secretamente havia anos, e escondendo-as debaixo da cama, onde seu marido não as encontraria. Vi a alegria em seu rosto e a reconheci. Era uma alegria idêntica à que meu próprio rosto havia irradiado na primavera anterior, no dia em que descobri que a revista para a qual eu trabalhava iria me mandar para a Nova Zelândia para escrever um artigo sobre a busca por uma lula gigante. E pensei: “Até o dia em que eu conseguir sentir o mesmo êxtase em relação a ter um filho que senti em relação a ir para a Nova Zelândia atrás de uma lula gigante, não posso ter um filho.”
   Eu não quero mais estar casada.
   Durante o dia, eu recusava essa idéia, mas à noite ela me consumia. Que catástrofe. Como eu podia ser uma imbecil criminosa a ponto de ir tão fundo em um casamento para no final me separar? Havíamos acabado de comprar aquela casa, um ano antes. Eu não tinha desejado aquela bela casa? Não tinha adorado aquela casa? Então, por que agora passava as noites assombrando seus corredores, uivando como Medéia? Eu não sentia orgulho de tudo o que havíamos acumulado – a elegante casa em Hudson Valley, o apartamento em Manhattan, as oito linhas telefônicas, os amigos, os piqueniques e as festas, os finais de semana percorrendo as gôndolas da hiperloja em forma de caixote preferida, comprando ainda mais aparelhos a crédito? Eu havia participado ativamente de cada instante da criação daquela vida – então, por que sentia que nada daquilo combinava comigo? Por que me sentia tão soterrada pelo dever, cansada de ser o arrimo do casal, a dona de casa, a coordenadora de eventos sociais, a que levava o cachorro para passear, a esposa e a futura mãe, e – em alguns poucos instantes roubados – a escritora…?
   Eu não quero mais estar casada.
   Meu marido dormia no quarto ao lado, na nossa cama. Eu o amava e não conseguia suportá-lo, em igual medida. Não podia acordá-lo para fazê-lo compartilhar o meu desespero – de que adiantaria? Já fazia meses que ele me via desmoronar, acompanhando meu comportamento de louca (ambos concordávamos com essa definição), e eu só o exauria. Ambos sabíamos que havia alguma coisa errada comigo, e ele estava perdendo a paciência com isso. Brigávamos e chorávamos muito, e estávamos cansados daquele jeito que só um casal cujo casamento está acabando pode ficar. Nossos olhos pareciam olhos de refugiados.
   Os muitos motivos pelos quais eu não queria mais estar casada com aquele homem são pessoais demais e tristes demais para serem compartilhados aqui. Muitos deles tinham a ver com coisas minhas, mas uma boa parte dos nossos problemas tinha a ver também com as questões dele. Isso é natural; afinal de contas, há sempre duas pessoas em um casamento – dois votos, duas opiniões, dois conjuntos conflitantes de decisões, desejos e limitações. Mas não considero adequado discutir as questões dele no meu livro. Tampouco pediria a alguém para acreditar que sou capaz de relatar uma versão imparcial da nossa história, portanto, a crônica do fim do nosso casamento não será contada aqui. Também não discutirei aqui todos os motivos pelos quais eu ainda queria ficar casada com ele, nem todas as suas características maravilhosas, nem os motivos que me fizeram amá-lo e me casar com ele, nem os motivos pelos quais eu era incapaz de imaginar a vida sem ele. Não vou abrir nenhuma dessas gavetas. Basta dizer que, naquela noite, ele ainda era, em igual medida, meu farol e minha ave de mau agouro. A única coisa mais inconcebível do que ir embora era ficar; a única coisa mais impossível do que ficar era ir embora. Eu não queria destruir nada nem ninguém. Só queria sair de fininho pela porta dos fundos, sem causar alvoroço nem conseqüências, e depois só parar de correr quando chegasse à Groenlândia.
   Sei que essa parte da minha história não é uma parte feliz. Mas eu a estou compartilhando aqui porque alguma coisa estava prestes a acontecer naquele chão de banheiro que iria mudar para sempre o curso da minha vida – quase como um daqueles superacontecimentos astronômicos malucos, quando um planeta gira no espaço sideral sem nenhum motivo, e seu núcleo incandescente se modifica, reposicionando seus pólos e alterando radicalmente seu formato, de tal modo que a massa inteira do planeta se torna subitamente oblonga em vez de esférica. Alguma coisa assim.
   O que aconteceu foi que comecei a rezar.
   Rezar, sabem – tipo para Deus.

3 comentários:

  1. Daniiiiiii.....

    AH, mas como eu AMEI esse livro!!! Li em 1 semana, não conseguia para de ler nem quando estava comendo, ia dormir todos os dias lá pelas 3 da manhã e ainda ficava irritada pq, na verdade, eu queria mesmo é ficar lendo até cair de sono com a cara no livro!! hahaha
    Resumindo, é um livro realmente lindo, é doce, alegre, ANIMADOR... e mesmo eu ainda não sendo uma balzaquiana, me identifiquei com várias partes da vida dela, os sentimentos, as aflições e os medos, mas pricipalmente as vontades... é realmente sensacional. TODAS AS MULHERES um dia devem ler este livro e passar para suas amigas, primas, mães, filhas, avós... LEIAM!!
    E agora quero lhe fazer um pedido: Assim que terminar de ler o livro eu gostaria que Você dividisse conosco seus sentimentos em relação à tudo o que ela aborda nesse relato de vida. Acho muito legal ver os diferentes pontos de vista a respeito de um mesmo livro. E tenho certeza que quem já leu este livro vai adorar ouvir um pouco do que Você absorveu dele. 100% de certeza que será só alegria.. ;) Vc vai ver.
    Beijos querida.

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  2. Dani, nós homens tambem passamos por essa fase turbulenta aos 30, principalmente se estamos noivos sem data pra deixar de ser. Minha noiva comprou este livro e ela sim é complicada viu. Passei para ela o "Ser Esposa Feliz é uma Arte". Vamos ver se um dia ela consegue praticar o que essa brilhante mulher descreve no livro. Bjs

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  3. Oi, Murilo!
    Bom saber que essa maluquice dos 30 não atinge só as mulheres. Assim um ajuda o outro a superar, né?
    Beijos e boa sorte com o casório!

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