quarta-feira, 31 de março de 2010

Falando nisso...

Gente, estou lendo um livro ótimo, o Poder S.A, do meu querido amigo Beto Ribeiro. O Beto estudou com a minha irmã no colegial (faz tempo...rs) e os dois viviam grudados. Eu devia ter uns 7, 8 anos quando o conheci. Na verdade, o irmão mais velho dele, o Ricardo, já tinha estudado com o meu irmão. Depois, acabei ficando amiga do irmão mais novo dele também, o Rodrigo, vulgo Sevi, que é um ano mais novo que eu. Enfim, a família inteira se conhece.
Mas vamos ao que interessa. O livro conta histórias baseadas em fatos reais do mundo corporativo. Conversa de bastidor, rádio peão, uma delícia! Todo mundo que já trabalhou em alguma empresa com mais de 2 funcionários vai se divertir muito com as histórias sórdidas que o livro traz.
E estava eu no metrozão vindo pra Globo (eu sou do povo, minha gente!) e cheguei ao capítulo intitulado “Pequenos Poderes”. Achei, no mínimo, irônico, já que meu último post foi exatamente sobre isso. Me identifiquei super e quis dividir alguns trechinhos do livro com vocês. Selecionei só três capítulos. Quem quiser ler o texto todo e as outras histórias também, vai ter que comprar o livro. Amigo é pra essas coisas, né não, Beto?
Então, vamo que vamo. Com vocês, “Pequenos Poderes”!




IV
Eleno chegou com os passos velozes de sempre para dar vida ao seu cargo: chefe-de-almoxerifado-faz-tudo. Subiu direto para o décimo andar e checou se todas as 22 salas de reunião estavam limpas e arrumadas, verificou se a geladeira dos diretores estava com água, com e sem gás, que cada diretor preferia, e se dirigiu à cozinha para ver como estava Grazianne. Com seu olhar de lince, Eleno deu um seco “Bom dia” e pediu para a tímida copeira dar uma “voltinha”, atendido prontamente por Grazianne. Por um segundo o coração de Eleno bateu mais forte de tanta felicidade ao ver um pequeno rasgo da parte traseira da saia da copeira.
- Mo-ci-nha, já disse que você não pode ser desleixada. Olhe esse rasgo! Um absurdo!!! – e seu olhar achou outro erro fatal. Nesse instante ele se dirige a pia e constata que as frutas que o presidente pediria dali a duas horas não estavam lavadas, cortadas e geladas.
- E ainda por cima não fez o seu serviço!!! Quer moleza, Mocinha?
Ela não conseguia responder, a voz tremia, como todo seu corpo.
- Desculpe, Seu Eleno, eu vou me trocar agora mesmo e arrumar as frutas.
Eleno deu um pequeno sorriso e concluiu a conversa:
- Não aguento mais suas desculpas. Vá se trocar já! E arrume essas frutas agora! Mais uma falha grande como essa... – Ele não terminou a frase. Não precisaria. Grazianne entendeu perfeitamente, apesar de ter estudado somente até a segunda série do primeiro grau e só saber escrever seu nome e o do namorado.
Quando Eleno saiu da cozinha, Grazianne pôde relaxar um pouco as pernas. Não chorou, não dava tempo... Ela tinha de correr para o banheiro, trocar de roupa e limpar o chão. Eleno não viu, mas Grazianne tinha feito xixi na saia.

VI

No corredor, Eleno viu ao longe o diretor comercial chegando. Seu personagem mudou, seu andar ficou mais lento, os barulhos das chaves batendo diminuiu.
- Bom dia, dr. Lázaro – sorriu Eleno com todo o corpo redesenhado, dando um ar de subalterno-manso.
- Bom dia – respondeu o diretor em voz baixa, sem tirar os olhos do jornal que levava nas mãos. A manchete da Folha de S. Paulo daria uma prévia do humor daquele homem durante todo o dia: Flamengo 1 x Corinthians 4. Lázaro, além de carioca morador de São Paulo, era flamenguista. Roxo-vermelho.

IX
Eleno desce do 11º andar frustrado. Matilda não tinha feito nada de errado, a roupa estava ajustada, as frutas prontas para o diretor de RI e financeiro, as águas estrategicamente colocadas nas oito salas de reunião. O máximo que Eleno conseguiu foi dar um toque na mocinha:
- É bom que seja assim todos os dias... – Ele desce para o décimo andar pelas escadas. Acha que chega mais rápido assim.
Ao chegar ao corredor de sua mesa, Eleno praticamente desfalece. O sr. Herbert Pereira está vindo em sua direção e, como um súdito, Eleno faz reverência ao presidente-dono-imperador da Sidar. O sr. Herbert dá um leve sorriso e passa falando:
- Como vai o nosso mais importante funcionário? – Eleno responde, rindo com todo o corpo, como um boneco de borracharia, daqueles que ficam loucos com o vento:
- Bem, sr. Herbert, muito bem! – mas o velho já está longe, não ouve. Eleno jamais saberá que aquela pergunta está mais para escárnio do que para elogio. Aquele encontro transforma o dia do “Faz-tudo”. Ele decide que nada poderá sair errado na Sidar naquela quarta-feira. Imediatamente, dá meia-volta e sobre para o 11º andar, para retomar o martírio das copeiras. Depois de Matilda, serão as vezes de Grazianne e Dayse.

Um comentário:

Deixa um comentário, vá!